quinta-feira, 31 de março de 2005

Um pombo cagou-me em cima por causa disto*

(...) O que dá um certo desgosto é ver como os escritores - os escritores medíocres de qualquer país, de qualquer tempo - têm essa cara de escritores. Em qualquer profissão é assim - advogados medíocres se esforçam para pensar como advogados, ter hobbies de advogados e mulheres com cara de mulheres de advogados. Mas nas artes, que são justamente o terreno das individualidades (oh, fui um pouco diáfano agora), não deveria ser assim, não é? E no entanto vemos pintores usando boinas e fazendo uma cara impressionante de pintores, com um jeitão muito artístico, e escritores que bebem porque se lembram vagamente que Hemingway bebia, e usam barba para ter uma cara seriona e atormentada, e falam desse jeito oh-tão-diáfano sobre literatura, e (claro, claro, claro) são de esquerda - automaticamente de uma esquerda ligeira, irreflectida, simpática e emocional.
"Todos os escritores brasileiros são de esquerda", disse num jornal um escritor barbudo, Marçal Aquino, que escreve sobre assassinos profissionais baratinhos que trabalham nas estradas mais vagabundas e esburacadas do país (ainda se fosse nas estradas mais atraentes! Caramba! Que mau gosto!) E sim, tem razão: os escritores são de esquerda como os pintores usam boina - porque lhes disseram que é assim mesmo e eles não ficaram pensando muito pra ver se era assim mesmo. Porque, em suma, queriam ter a cara da profissão, queriam se sentir muito escritores. Porque são medíocres. Oh, a pena que têm dos pobres. Oh, as visitas que fazem a presídios...
Todos ouvimos em algum lugar que devemos evitar a construção de personagens unidimensionais e estereotipados na literatura; que todos os personagens devem ser muito complexos, muito surpreendentes. O motivo disso, costuma-se dizer, é que "as pessoas na vida real são multidimensionais e surpreendentes". Mas o que fazer quando os escritores mesmos são uns personagens tão estereotipados, e se aproximam de mim usando boinas e bottoms do PT e falando do quanto resistiram à ditadura?

Os escritores são de esquerda como os pintores usam boina, Alexandre Soares Silva, in revista Atlântico nº1

* É verdade. Quando voltava do quiosque com o Público na mão levei com dejectos de pombo na cabeça. Foi a primeira vez, o que é extraordinário vivendo eu em Lisboa há tanto tempo, mas fico com a clara sensação que o pombo era de esquerda e apoiante de Manuel Maria Carrilho.

«Sanca»

Só a palavra dá-me urticária.

Angie

Mais uma vez é fácil concordar com o Pedro Mexia.

A União Europeia explicada em 3 linhas

(...) Os socialistas franceses adeptos do "não" (e são a maioria) dizem recear que a UE se transforme numa mera zona de comércio livre, sem as políticas sociais e o intervencionismo estatal que apreciam. Curiosamente, na Grã-Bretanha, os eurocépticos gostariam de uma integração europeia reduzida às trocas comerciais... (...)

Francisco Sarsfield Cabral, in DN 31.03.05

quarta-feira, 30 de março de 2005

Saída da casca

A Inês My Moleskine pensou que conseguia manter um blogue underground. O problema é que ela pensou-o durante 6 meses. E eis que se mostra ao mundo (gestação prematura) o educação sentimental.

Spread the word

O melhor blogue-com-nome-de-filme-de-Schwarzenegger comete a proeza de me incluir numa lista mui selecta. Ao que parece, a lista representa aqueles que lêem o Rui. Ah, mas onde anda toda a gente?

As meninas



O Zé Mário Silva (segue link para a lista para ver se caço um de volta já que por lá se anda a actualizar sidebars) acha que este é o melhor quadro de todos os tempos. Se eu digo ao meu pai que há uma opinião que ele partilha com um simpatizante do Bloco, acho que lhe dá uma coisa má.

P.S: Vi-o há um mês.

30 de Março de 1853

Apanhados

Na RTP-Memória, há minutos, Joaquim Letria entrevistava Nuno Portas. Corria o ano de 1987 e o tom era de queixume: a "lei trata mal os arquitectos", os "emigrantes não têm culpa", a "rua e a praça desapareceram para dar lugar aos espaços verdes", "já não se fala de casa nem de edifício mas sim de bloco", é a "cidade paliteiro". Até houve tempo para uma intervenção de um estudante que se queixava do "afastamento entre o ensino e a prática", dizendo que os "jovens arquitectos são desenhadores durante 10 ou 20 anos", que trabalham para "arquitectos já ultrapassados", que isso é muito "prejudicial" e que são tudo "questões que atormentam os estudantes". 1987, lembro, portanto imaginem o que tinha esta gente vestido (no entanto, e há que fazer a vénia, o Pedro Brandão estava igual a si próprio.) Nuno Portas fez o paralelo entre o Portugal provinciano ("não que eu seja daqueles que acham que lá fora é que é bom") e a Europa evoluída (Paris, Barcelona, Milão, Madrid), onde se faziam (na altura) "intervenções amorosas na cidade" (sic). Um grande abraço de obrigado ao responsável pela programação da RTP-Memória.

Nota

O post anterior só não cita Sontag porque eu sou muito zeloso da minha propriedade material e portanto ganhei o hábito de não sublinhar nem anotar nada do que leio mesmo que seja muito interessante (confesso que é ao mesmo tempo um exercício e uma confiança inabalável na minha memória) e não estou para procurar a passagam do On Style onde Sontag usa a arquitectura como exemplo de "conteúdo e forma" na obra de arte ou se quisermos "funcionalidade e estilo". STOP.

E agora, um post que não cita Sontag

terça-feira, 29 de março de 2005

Com estilo

The antipathy to "style" is always an antipathy to a given style. There are no style-less works of art, only works of art belonging to different, more or less complex stylistic traditions and conventions.

On Style, Susan Sontag, 1965

A questão do estilo é das mais interessantes no debate arquitectónico, simplesmente porque não existe. O que se ensina hoje nas escolas é (ainda) o modernismo, até porque não se descobriu ainda nada melhor para ensinar. E o modernismo ambiciona ser style-less, apregoa não ter estilo, entendido isto como sinal de supremacia arquitectónica, uma pureza livre de modas e tendências. Mas o estilo é tudo e, como nos diz Sontag, defender a ausência de estilo é defender um estilo em particular, aquele que se apresenta como ideal. Voltarei a este assunto.

Para ir lendo: What 'Styles' Mean to the Architect

segunda-feira, 28 de março de 2005

Format c:

Basicamente não respondia a nada do que lhe pedia. Portanto vai de formatar o disco ao meu PC, assim mesmo, à bruta. Para me entreter durante os múltiplos reinícios, pego num livro, um livro que dê para ir lendo apenas trechos. Escolho o Fora do Mundo, do Pedro Mexia. Vou folheando, lembrando os posts nos textos impressos. E fico com a sensação que a blogosfera já não é o que era. Está diferente, muito diferente. A diferença é tão grande que quase parece que lhe formataram o disco.

Fotogenia

No seu (excelente) blogue, a Susana continua a conversa sobre a relação entre arquitectura e fotografia. O texto é uma tentativa de amenizar a pouco pacífica relação entre as duas artes, própria de quem tem por ambas uma estima especial. E diz, em jeito de defesa da fotografia, que «o maior conhecimento que temos das obras arquitectónicas nos foi revelado em publicações e por imagens.» Aqui reside o principal problema: considerar que é possível revelar a arquitectura pela fotografia. Não acho que seja possível e, mais importante, tem sido prejudicial para a arquitectura acreditar-se que sim. E o facto de a imagem ter-se tornado nesse veículo previligiado de divulgação da arquitectura subverteu a criação desta. É o pecado original do projecto.

sábado, 26 de março de 2005

Dois anos

Não é parabéns, é obrigado, à Montanha Mágica.

Portrait

(...) Fotografar arquitectura é, na sua génese, um gesto "comedido": trata-se de entrar na obra do "outro" e captar o que lhe é fundamental, sem comprometer a lógica dos seus conteúdos. Parece ser um lugar difícil à criatividade de "autor" já que, aparentemente, o fotógrafo prescinde da centralidade do seu olhar para deixar o edifício fluir através das imagens.
As mesmas imagens que construirão uma espécie de plano de arranque para a memória futura que se constituirá desses edifícios. A fotografia constrói uma imagem alternativa à arquitectura e, num universo mediático, confunde-se com a própria arquitectura. (...)

Mundo Perfeito, Ana Vaz Milheiro, Mil Folhas 26.03.05

Fez-me lembrar algo que escrevi há tempos:

A arquitectura de facto morre. Ou renasce. Mas será certamente uma experiência diferente. A fotografia é como um adolescente irrequieto. Não é capaz de fazer aquilo que lhe pedem. É demasiado cheia de si. Pedem-lhe para capturar um edifício, para explicar uma obra. Ela, sorrateiramente, finge que é isso mesmo que faz. «Olha», parece dizer, «aqui está o edifício que me pediste». Mas o processo foi subversivo. Pegando na encomenda trasnforma-a para a sua glória. A fotografia tem de ser, antes de mais, uma obra de arte. Não cede a outra forma de arte, se a arquitectura pode ser assim chamada. No duelo entre rivais, a fotografia leva sempre a melhor. É isso que ela pensa, orgulhosa.
Mas não sabe que a arquitectura, mais velha e experiente, já cá anda há muito tempo. A arquitectura parece reduzir-se no positivo, na reprodução. A fotografia parece ganhar o pódio. Não é isso que se passa. A arquitectura manipula o fotógrafo. Este, ao descobrir um ângulo surpreendente com uma luz mágica, exclama em exaltação «eureka!». Como um rato que descobre o queijo na ratoeira. Como uma aranha, a arquitectura teceu a sua teia. A presa é fácil. O objectivo é atingido.
Os anos passam e tornam-se amigos. São hoje cúmplices no mesmo crime. Assumem isso, sem rodeios, como dois velhos que desistem de implicar um com o outro. Para fora vão dando sinais de algum desconforto mútuo. «A arquitectura subjuga-se à imagem», ouvem-se os velhos do restelo, bramindo contra a perda de autenticidade. «Não pode ser, a arquitectura corre risco de vida». No fundo já ninguém se escandaliza. Os níveis de exigência baixaram, baixam continuamente. A pobreza mascara-se e a fotografia redime-a. A arquitectura tornou-se preguiçosa. A fotografia reparte as culpas no cartório. Toda a gente assobia para o lado. «There is nothing to see, there is nothing to see.»

em Ceci n’est pas un bâtiment, 2004

Páscoa

A História e a Páscoa, por Nuno Guerreiro.

Infelizmente, o texto termina com a crucificação. Ou seja, a história fica a meio. A Voz conclui:

Tenham lá paciência, meus amigos romanos. O sepulcro está vazio e é isso que vale a pena celebrar.

Carlos Alpoim Vieira Barbosa

O senhor Carlos Alpoim Vieira Barbosa tem rodas no lugar dos pés, amortecedores no lugar dos tornozelos, e uma série de outras componentes automobilísticas que eu desconheço no lugar das pernas. Entrevistado pelo jornal da tarde do canal 1, o senhor Carlos Alpoim Vieira Barbosa instruiu-nos, comuns mortais, das falhas do novo código da estrada: «é muito brando com os peões (...) coitadinhos dos peões (...) porque os peões não têm respeito pela circulação automóvel (...) e atravessam nas passadeiras de qualquer maneira (...) os peões são um perigo público (...)» E parece que continuou a falar, mas confesso que por esta altura só imaginava o senhor Carlos Alpoim Vieira Barbosa a dar conselhos aos filhos «quando passares por uma passadeira, acelera, para esses parasitas dos pedestres perceberem quem manda». Minto. Lembro-me bem do que disse o senhor Carlos Alpoim Vieira Barbosa. O senhor Carlos Alpoim Vieira Barbosa discorreu depois sobre o sistema financeiro do mundo automóvel: «e para onde vai o dinheiro das multas?, isso é que é importante saber! vai para os TGVs (isso mesmo, no plural, os TGVs)? ou para os comboios? ou para os transportes públicos? ou pelo contrário, vai ser canalizado para a indústria automóvel?» Eu proponho que as multas por atravessar fora da passadeira vão directamente para o ACP. Por um mundo melhor inicia-se aqui a campanha Peão Zero, destinada a acabar, de uma vez por todas, com aqueles que insistem em andar a pé.

sexta-feira, 25 de março de 2005

Relativismo pessoal

«I could describe the process this way. Before I wrote the essays I did not believe many of the ideias expoused in them; when I wrote them, I believe what I wrote; subsequently, I have come to disbelieve some of these same ideas again – but from a new perspective, one that incorporates and is nourished by what is true in the argument of the essays.»

Susan Sontag, A note and some acknowledgments, 1966

Aproxima-se o armagedão

Referendo: 55 por cento dos franceses vão votar "não" à Constituição Europeia

Pudor

Causa-me a maior das perplexidades uma filiação política antes dos 40 anos. Vá lá, antes dos 25. Situações como a de José Sócrates são fáceis de explicar: estávamos nos seventies e afinal o PSD não era de esquerda. Mas o que dizer dos jovens (pessoa com menos de 40 anos) que, por sua livre iniciativa, se comprometem com uma ideologia, e pior, que se comprometem com os colegas de cartão? Há, em todos os partidos políticos com assento parlamentar, gente suficiente para me deixar mais envergonhado do que se fosse apanhado nu no metro à hora de ponta, o que só por si é garante de segurança face a um qualquer devaneio cívico. Vivo aterrado com o passado que estou a construir. Acordo com suores frios quando penso na hipótese de, já de bengala e cabelo grisalho (o que não falta muito, não a bengala mas o cabelo grisalho) ser abordado por alguém (uma sexagenária boazona, por exemplo) que me diz «você é aquele tipo que se passeou nu pela estação da Alameda no Verão de 2008, não é?» Talvez seja um processo semelhante àquela atitude de voltar atrás para verificar se a porta do carro está mesmo fechada, mas não há dia em que não faça o elevador regressar ao quinto andar só para verificar, ao espelho, que não me esqueci das cuecas.

Religious coolness

Claro que quem lucra com isto tudo são os Dan Brown que para aí andam. Ou melhor, o Dan Brown mesmo.

Crónica de Sexta-Feira Santa

«Sapos? Quais sapos?

Uma vez, em conversa sobre o épico emocional Magnólia, sugeri uma possível obsessão religiosa do realizador. Uma rapariga disse logo que não percebia tal observação. "Ora, a chuva de sapos não engana", respondi, como quem aponta o óbvio. "Sapos?", espantou-se a rapariga, "o que é que os sapos têm a ver com religião?". Murmurei uma vaga frase sobre "pragas do Egipto". Mas a moça encolheu os ombros e pensou certamente que existem sempre patetas que vêem imensa coisa em coisa nenhuma.

Esse episódio é recorrente sempre que me acontece fazer uma referência bíblica, três pessoas ficam sem expressão, nitidamente sem perceberem. Mesmo alusões que julgava evidentes, como "filho pródigo" ou "estrada de Damasco", enfrentam um silêncio glacial. Quando explico, protestam: "Mas tu és católico, nós não temos que saber isso." Acontece que não se trata de convicções pessoais: o conhecimento de um módico de referências religiosas (sobretudo bíblicas) faz parte da cultura geral. Recentemente, um amigo trintão contou-me que nunca tinha sequer folheado a Bíblia. Quando fez anos, ofereci-lhe uma Bíblia dos Capuchinhos. Não para o evangelizar, mas para o rapaz perceber melhor, digamos, os filmes de Bergman, as canções de Johnny Cash, os romances de Graham Greene.

Com efeito, sem uma referência religiosa não entendemos parte significativa da cultura ocidental. Já nem digo os clássicos ou os mestres da pintura. Sem perceber o segredo de confissão não se entende Confesso, de Hitchcock (o filme foi um fiasco porque os espectadores protestantes achavam o enredo inverosímil). Sem conhecer o dogma não se entendem as profanações de Buñuel (que construiu A Via Láctea só com esse material). Sem cristianismo, não se entende Eliot, Fellini ou Messiaen (para referir artistas contemporâneos).

Repito não tem nada a ver com religião, tem a ver com cultura. Não é por vivermos o colapso do cristianismo que algumas imagens, metáforas e alegorias cristãs desaparecem da memória. O lastro cultural do cristianismo permanece mesmo que o cristianismo definhe. É por isso que o laico Régis Debray defendeu recentemente que a História da Religião deve ser ensinada nos liceus.»

Pedro Mexia, DN 25.03.05

Dei por mim há pouco tempo a tentar explicar a minha falta de Fé (com maiúscula) usando precisamente este argumento: para mim o cristianismo sempre foi uma questão cultural. Surpreendi-me ao afirmar isto. Não tinha, não tive, consciência desta atitude que percebi, retrospectivamente, ser verdadeira. Foi quando comecei a ser confrontado de uma forma mais consequente com as questões puramente religiosas do cristianismo que percebi que a minha fé era muito limitada. Quem tem uma vida religiosa sabe que esta atitude, reconhecer a limitação da fé, é quase necessária para tê-la. E durante muito tempo vivi bem com isso, pois à minha volta todos proclamavam a sua pouca fé fazendo votos e esforços para vê-la crescer. Ter fé, aliás, é viver para alimentá-la. Mas com o passar do tempo fui perdendo a capacidade para alimentar essa fé ao mesmo tempo que, talvez devido a essa distância, me ia interessando mais pelo contexto e herança cultural do cristianismo. O que me espantou foi a riqueza desse património cultural que desconhecia, pois a educação na fé não passa por aí. Parece um paradoxo, mas não é. A nossa relação com a cultura é sempre filtrada pelo espírito crítico. O que mais nos desperta culturalmente é sempre aquilo que nos desafia e interpela. Ora, religiosamente, a Bíblia não é cultura: é. Todas as passagens são ensinamentos, todas as personagens são exemplos, todas as palavras são literais. A Bílblia, na catequese, é um código de conduta. Um católico reza a Bíblia, não a estuda. Por isso a atitude que o Pedro Mexia bem expõe nesta crónica (a recusa da abordagem à religião como cultura) não é exclusiva dos não-crentes. No caso específico do catolicismo há ainda que ter em conta a (não) relação que os fiéis têm com os textos sagrados. Eu sempre tive uma relação atribulada e, talvez não surpreendentemente, essa relação é mais proveitosa quando me sinto menos crente. Porque ler um texto sabendo que ele é sagrado e quase dogmático torna-se aborrecido. E nasce o perigo (que está na origem desta separação da religião e da cultura) de se considerar que aqueles temas são do foro meramente religioso, esquecendo que aquilo a que nós chamamos de cultura tem uma história construída sobre essas estórias, mesmo quando é para as renegar. Vivemos numa época particularmente sensível à questão da laicidade, mas não devemos deixar que isso sirva para apagar a nossa própria cultura, querendo reescrevê-la à margem do divino.

Não por acaso (certamente) a coluna literária do Pedro Mexia de hoje dedica-se a José Tolentino Mendonça.

quinta-feira, 24 de março de 2005

Just arrived



E a capa é bonita.

It is only shallow people who do not judge by appearances. The mystery of the world is the visible, not the invisible.

Oscar Wilde

da Blogosfera

- O Rui Branco está agora a solo aqui.
- O Pedro Mexia, o Francisco José Viegas, e o Pedro Lomba estão Fora do Mundo há um ano.

from Graz (sem acentos)

Tal como o calor chegou inopinadamente, a chuva vai conspurcar o tempo primaveril que se instalou mais depressa do que estes gajos conseguem dizer grusscote. Ainda assim, recusam dar-se conta do obvio e mantem-se alegremente nas esplanadas que ocuparam todo o espaco livre de Graz. Vou gostar de ver todas as senhoras, compostas como deve ser num meio pequenino e toleravelmente arrogante, subitamente ensopadas ate aos ossos que se adivinham logo abaixo da pele. Perto e longe de uma grande cidade acham que tem o melhor de dois mundos e nao admitem que possa existir alguem com uma vida melhor. Se calhar tem razao. Se calhar o importante mesmo e estar convencido disto.
Nao maltratam os turistas, nao o fazem. Oferecem-lhes a condescendencia de quem tem algo a ensinar aos seus iguais mas que se encontram num estagio anterior do "saber viver". Mantem a cidadezinha banal que habitam com um q.b. de atraccao turistica para que outros mortais possam vir ver como estes senhores vivem. Nao contentes com isso, constroem tudo em vidro para que seja ainda mais facil espreitar para dentro das suas vidas. So as casas onde vivem escapam a essa regra, mas de dia ninguem vive "em casa". De dia vive-se nos locais de trabalho, na universidade, nos cafes. Ao fim de semana so nestes ultimos. E nestes sitios a exposicao e preservada e cultivada.
Sao engracados estes senhores. Sabem ser arrogantes com classe. Por isso podem.

Exoplanetas

Planetas extra-solares detectados de forma directa pela primeira vez

O que me espanta é ainda não ter visto um post no Abrupto sobre isto.

m.

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis, Odes

Por tua causa percebo que o poeta fala comigo.

quarta-feira, 23 de março de 2005

(in)Capacidade visual

Helio Piñon em entrevista à Arquitectura e Vida (Setembro de 2002):

Por isso a arquitectura das últimas décadas é tão banal visualmente, ainda que parte dela se apresente ao consumidor exactamente como o contrário. Os arquitectos perderam a capacidade visual. Temos 40 ou 50 anos de perda constante de capacidade visual. Porque é a arquitectura tão aparatosa? Porque há uma incapacidade para conceber com critérios de ordem susceptíveis de ser reconhecidos pelo espectador: a afectação oferece-se, assim, como sinónimo de artisticidade, quando não é outra coisa que o reconhecimento da impotência para criar. Muitos arquitectos que alcançaram o êxito recentemente parecem actuar como o cozinheiro insensível que abusa das especiarias para que aquilo fique gostoso.

Eu também tenho amigos surfistas

«Todos nós temos um amigo surfista. Até o Ramalho Eanes deve ter um amigo surfista. Mais: até a Maria Gabriela Llansol deve ter um amigo surfista. Nem que seja o Rodrigo Herédia – que, segundo as revistas, é amigo de meio mundo. Eu tenho vários amigos surfistas – alguns dos quais vêm do tempo da adolescência. Surfistas que passavam a vida a ler Kierkegaard e Yeats, mas ainda assim surfistas (é claro que faço estas referências cultas só para não alienar todo o meu prestígio já no primeiro parágrafo).
E quem é amigo de surfista durante a adolescência sabe que mais cedo ou mais tarde vai fazer o papel de namorada de surfista. Sim, mais cedo ou mais tarde o amigo de surfista vai ficar durante horas dentro do carro e em intermináveis passeatas no meio dos rochedos à espera que o surfista acabe de subir e descer ondas. Há quem dê em louco. Há quem dê em maricas. E há quem dê em poeta, como é o meu caso (que, segundo o que se diz por aí, é uma mistura dos dois primeiros).
E o que é que faz um amigo de surfista quando entra na casa dos 30? Começa a ouvir música de surfista. Ora, um dos mais renomados representantes da chamada música de surfista é um tipo chamado Jack Johnson – também ele surfista, nascido no Havai. Johnson vem ao Coliseu, no próximo dia 21 de Maio. Escusam de ir tentar comprar bilhetes nos sítios normais porque esgotou. Quem quiser estar durante horas rodeado de rapariguinhas loiras (as verdadeiras namoradas de surfistas) tem de ir à candonga. Não se preocupem com a possibilidade de levarem uma sova por ciúme. A surfística rapaziada estará toda a adorar o homem que faz para milhares de pessoas aquilo que um surfista engatatão (passe o pleonasmo) costuma fazer ao fim da tarde na praia: tocar músicas para conquistar miúdas.
Johnson gravou três álbuns. O último, In Between Dreams, acaba de sair. Confesso: não convence tanto como os primeiros, Brushfire Fairytales e On and On. Ainda ontem, um amigo (talvez o único que não é surfista) disse que se não conhecessemos os primeiros e só ouvíssemos In Between Dreams, provavelmente o disco passar-nos-ia ao lado. Perante afirmação tão certeira, não quis ficar atrás e comentei - enquanto erguia a bica e o rissol - que este podia ser um primeiro álbum de Jack Johnson, anterior a Brushfire. Parece que o talentoso havaiano resolveu voltar a surfar umas ondas antigas quando já estava quase a chegar à praia. (...)»

Quase Famoso Nuno Costa Santos

terça-feira, 22 de março de 2005

Inferioridade cultural

«Thom Mayne is the twenty-ninth, and only the eighth American to be so honored.»

Thomas J. Pritzker, president of The Hyatt Foundation

Only? Let's do the counting:

USA: 8
UK: 3
Japan: 3
Italy: 2
Mexico: 1
Austria: 1
Germany: 1
Brazil: 1
Portugal: 1
France: 1
Spain: 1
Norway: 1
The Netherlands: 1
Switzerland: 1
Australia: 1
Denmark: 1

Pois, only.

Pritzker

Thom Mayne Named 2005 Laureate of the Pritzker Architecture Prize.

Eduardo, para o ano não foge.

Thom Mayne é o main guy da Morphosis.


segunda-feira, 21 de março de 2005

Se perguntarem por mim



Requiem d-moll KV 626
in D minor

Anna Tomowa-Sintow
Helga Müller Molinari
Vinson Cole
Paata Burchuladze

-Wiener Singverein-


Wiener Philharmoniker

Einstudierung: Herbert von Karajan

Wien, Musikverein, Grosser Saal, 5/1986

A música e Deus

A relação entre o homem e Deus será sempre baseada na procura do segundo pelo primeiro. Sem mapas, sem referências, sem ajudas. Apenas uma personagem trágica que não pára nunca de caminhar na escuridão e à chuva. No seu percurso vai descobrindo e forçando alguns atalhos. A arquitectura é disso bom exemplo. Mas se queremos mesmo poupar tempo e esforço nessa cruzada então temo que não haja hipótese de contornar esta sequência de notas: cello suite n.º1, prelude, Bach.

O bê à bá dos três acordes

Parece-me ligereimente abusivo usar a expressão «fazer música». Mas nem por isso deixamos de arriscar um refrão e umas pentatónicas a subir e a descer.

domingo, 20 de março de 2005

Pela janela

Olhava o espelho e não acreditava. A informação reflectida não batia certo com o que esperava. Abriu a janela para deixar entrar mais luz, convencido que era a penumbra que estava a atrapalhar. A sala inundou-se de amarelo torrado e o cheiro das ruas molhadas pela chuva que começara a cair momentos antes fez-se convidado. Passou as mãos pelo corpo, apertou com força até doer, puxou até deformar. O espelho persistia em não lhe fazer a vontade, devolvendo a realidade nua e crua, a mesma realidade que ele procurava e desejava mas pressentia não ser verdade. Não podia ser assim tão simples, tão fácil, tal e qual como seria se fosse ele a escolher. Saiu da sala e voltou a entrar várias vezes, sempre à espera de encontar em cada regresso o pior dos seus medos devolvido pela superfície oval. Mas sempre que voltava a olhar-se a imagem era a mesma. Por acumulação de experiências decidiu começar a acreditar. O cansaço venceu-o. Fez no entanto uma última tentativa. Saiu à rua e deixou-se ficar durante meia hora à chuva. Quando sentiu que a água se fartava do seu corpo voltou a entrar, e sem se secar foi directo ao espelho. A mesma coisa, a mesma coisa, desta vez mais húmida. Desistiu. Chamou-a para ela ver. Ela nem se mexeu, nem se dignou a desviar o olhar. Afinal, ela conhecia de cor aquilo que ele acabara de descobrir. A partir daquele dia prometeu a si próprio nunca mais duvidar que iria ser feliz.

Chove!

Que a água seja água limpa.

sábado, 19 de março de 2005

E fez-se som

O que estamos a ouvir foi gravado em condições extremas, com um laptop, fora de horas, num atelier algures em Lisboa. Consta que a voz é deste senhor. O vosso humilde escriba a(ssa)ssina uma das guitarras. E tem outra participação que, para o bem de todos, é melhor que se mantenha em segredo.

Pop Rock

Sabemos que amamos a música quando até o mais simples dos refrões nos retira da obsessão que nos consome. Isso e também quando nos apetece dançar em público.

sexta-feira, 18 de março de 2005

Graz

Um amigo estranha a minha reacção (é a palavra do dia, já se percebeu) à arquitectura de Graz. Percebo a interrogação. O problema está no ambiente que se criou à volta da Grazer Schule. Pintou-se a manta de tal forma que se fala numa arquitectura única a nível europeu, num laboratório avant-guarde sem comparação, numa qualidade imbatível. Acontece que isso não é verdade, e esta atitude arrogante própria dos meios pequenos deixa qualquer um de pé atrás. Mais a frio posso dizer que a arquitectura de Graz é muito interessante, mais interessante ainda quando se analisa o contexto. Graz é uma pequena cidade, bastante pequena mesmo se pensada a nível europeu, mas que apesar disso é a segunda cidade da Áustria, cabendo-lhe o papel secundário na rivalidade urbana inevitável. Aconteceu também que o século não começou bem em Graz, tendo sido relegada para um papel meio perdido a nível geográfico, uma espécie de gueto obscuro perto da fronteira com o leste, uma cidade que parece não ter sofrido com a II Grande Guerra, apesar de 9% dos seus edifícios terem sido destruídos e 35% ficarem danificados. Quem visite hoje Graz vê uma cidade que arquitectonicamente salta do sec. XIX para a segunda metade do sec. XX, já pós-Archigram e à beira do desconstrutivismo e da euforia da coisa técnica. A escola de Graz define-se nessa altura e as grandes obras realizadas com apoio estatal dão-se entre a década de 80 e os primeiros anos da década de 90. Vêem-se por isso vários exemplos de construcções neoclássicas, ecléticas, ou mesmo barrocas serem renovadas por intervenções de ferro e vidro, muito contrastantes, muito diferentes, muito contemporâneas. É inegável que o cenário é cativante à primeira vista, e que pode ser mesmo muito atractivo à segunda. Mas quando repetido o fenómeno começa a perder algum do seu encanto e instala-se a interrogação sobre o que sobra depois disso. Objectivamente (se tal é possível) qual é a qualidade ou relevância daquela arquitecura? O pouco interesse que o interior tem face ao objecto exterior contribuiu para essa decepção. Talvez seja apenas uma maneira diferente de equacionar a arquitectura. Talvez o efeito Bilbao que Graz quer ter subverte essa arquitectura, transformando-a num conjunto de gestos dinâmicos que, de tanta dinâmica, se dissipam com o primeiro nevão, lavados para o meio da rua.

«Tu tens um blogue, não tens?»

Ao fim de um ano e dez meses ainda fico embaraçado com esta pergunta.

Entretanto no post em baixo reacção está escrito reação e ninguém avisou

O que me espanta nesta atitude de M. não é a atitude em si mas o facto de me reconhecer inteiramente nela, e de estranhar que seja pouco comum. Estranho sempre aqueles de fortes convicções, que evangelizam em cada oração, ou tentam proclamar a sua palavra em toda e qualquer oportunidade que lhes seja dada. Nunca consegui ser assim, mesmo quando acho que tenho convicções. Há também o medo vingar na argumentação e convencer alguém. Prefiro resistência a concordância. Preciso de explorar as fragilidades de qualquer pensamento coerente e instituido. Ainda que no caso particular da tese de M., sou pela sua argumentação. Talvez pense assim porque antecipe o tipo de reacção que poderá ter no meio específico para onde está a ser elaborada a tese. E porque a acho genuinamente interessante. Ainda que seja um leigo. Ainda que me escape 9/10 da matéria. Mas é uma ideia que eu pagava para ser bem sucedida.

Reação

M. é um espírito independente, apesar de se dizer de esquerda. Claramente não se revê nessa dicotomia, mas a ter de escolher, escolhe a canhota. Está a preparar uma tese no âmbito de um programa que pende fortemente para a mesma canhota. M. reage, não age, nas suas próprias palavras. Explica-me o tema. Isso é uma ideia ultra-liberal, digo-lhe, para ver se percebi correctamente. Pois é!, diz-me, com um sorriso na cara, o sorriso de quem sabe que está a ir contra a corrente.

Fica na tua que eu fico na minha

Tenho pouco ou nada para dizer. O blogger não me quer deixar dizer esse pouco ou nada.

terça-feira, 15 de março de 2005

E o silêncio, senhores, o silêncio?

Graz à hora de ponta deve produzir os mesmos decibéis que Lisboa às 4 de manha de segunda-feira.

Do ReSoWi (em pé, no átrio)

Graz transformou-se numa passerelle onde se passeiam vaidades e anorexias.

(Acabei de perder, gracas a este maravilhoso teclado, um post relativamente grande do qual só me lembro da última frase. É esta. Por favor imaginem toda a análise arquitectónica que lhe deu origem.)

segunda-feira, 14 de março de 2005

De Graz

A correr: muito ferro, muito vidro, tudo muito contemporâneo, tudo muito "cool". Tudo muito frio.

quarta-feira, 9 de março de 2005

A análise que interessa

Como sempre, pela mão do maradona:

(...) A diferença entre as pessoas normais que respiram oxigénio e o Mourinho que come vitórias ao pequeno-almoço é que este incute nos seus jogadores uma mentalidade ganhadora que desafia o mito daquele russo que dobrava colheres com o pensamento. Nunca vi nada assim, ou seja, nunca se viu nada assim. Ver um jogador mediocre como o Kezman, que a espaços faz lembrar o Krpan, a acreditar que pode ter melhor rendimento ofensivo que o Eto ou o Ronaldinho é algo só explicável pelo processo hipnótico. (...)

terça-feira, 8 de março de 2005

4-2

Quando no início da segunda parte, com o resultado em 3-2, Huth parte para o aquecimento, Miguel Prates (num assomo de lucidez) diz que "Mourinho mete Huth a aquecer na perspectiva de marcar o 4-2 e depois fechar a porta à chave". O Chelsea fez o 4-2, Mourinho pôs Huth e trancou a porta à chave. Apito final.

Atenção, o Barcelona reduz para 3-1 de penalti

Caguei pó blogue. Vou ver a bola.

19 minutos de jogo e o Chelsea ganha por 3-0. O resultado peca por escasso



E, de repente, dou por mim outra vez ao berros por causa de um jogo de futebol.

No buraco errado

(...) Ontem, na biblioteca, o computador tocava um CD dos Madredeus. Aquele que gravaram com uma orquestra flamenga. Por distracção, não liguei os auscultadores. Ou melhor, liguei-os ao buraco errado. Ninguém protestou. Umas quantas músicas mais tarde, uma funcionária da biblioteca pede-me para desligar a música. Disse, natural e educadamente, que a biblioteca é um lugar de trabalho e de estudo, sendo o silêncio de ouro. Ouve-se um coro de protestos. Ninguém à minha volta queria que se desligasse a música. Certos sons são melhores do que o silêncio.

no A destreza das dúvidas

But are light and dark relative?

Beauty is as relative as light and dark. Thus, there exists no beautiful woman, none at all, because you are never certain that a still far more beautiful woman will not appear and completely shame the supposed beauty of the first.

Paul Klee

Dia internacional da mulher 2

«Acho que, no fundo, as mulheres têm ciúmes da relação de amizade que os homens são capazes de estabelecer entre eles. Falam demais, não têm segredos umas para as outras. E sem segredos, sem a cumplicidade das coisas que não se dizem, não pode haver uma amizade profunda.

Voltando atrás: Daí algumas acharem que não existe nada mais sedutor do que fazer parte daquele círculo intransponível que é o grupo dos amigos. Daí o “dou-me muito melhor com os homens do que com as mulheres” e o “os meu melhores amigos são homens”. Vivem na ilusão de que o conseguiram. Mas não o conseguiram. Não verdadeiramente. Não é a mesma amizade que une os machos. É sempre um misto de sentimentos amorosos, atracção física e algum companheirismo que fica aquém da amizade de que os homens são capazes entre eles. Não sei se TEM de ser assim, mas a verdade é que as mulheres, no fundo, não querem que seja de outra forma. As mulheres são frívolas. A vontade de agradar domina-as e conduz toda a sua maneira de agir. Não conseguem libertar-se da missão que a natureza lhes conferiu. Seduzir.»

m.

The poetics of space

O problema não está tanto na poesia da arquitectura portuguesa; o verdadeiro problema é que ela rima.

Short history of (so many places)



R. Crumb, Short History of America (via Rui Tavares)

Dia internacional da mulher

Haverá coisa mais machista?

Será assim tão difícil de perceber?

«O modelo escandinavo… Ah, o modelo escandinavo! Havia tanta coisa para dizer sobre o modelo escandinavo… mas agora não tenho tempo. Apelo ao meu poder de síntese e arrisco comentário parco. Então é assim: a forma como, um pouco por todo o lado (blogosfera lusa incluída), se deitam olhares de basbaque à Europa do Norte, revela bem da ignorância que grassa por entre os «especialistas» da paróquia. Longe de mim perturbar um auditório esperançado. Não seria de bom tom fazê-lo. Limito-me a lançar na engrenagem um microscópico grãozinho de areia: o modelo escandinavo – o tal dos impostos altíssimos e do Estado Providência musculado - só resulta em sociedades em que: a) a capacidade de criação autónoma de riqueza (autónoma e independente em relação ao Estado) é a modos que brutal; b) os níveis de produtividade são mais do que suficientes; c) a mobilidade de pessoas em pleno mercado de trabalho é uma constante; d) a evasão fiscal é residual; e) a elevada carga fiscal não belisca os níveis de rendimento disponível; e) o modelo de desenvolvimento foi aprioristicamente liberal e capitalista e continua a sê-lo; f) a carga burocrática não sufoca o empreendorismo e a vida dos cidadãos. Em países ricos, portanto. Países que se permitiram criar e suportar um Estado Providência forte e prestador de serviços de qualidade, nos quais os níveis de eficiência e eficácia (coisas diferentes, como sabeis) nos fazem corar. O modelo escandinavo de Estado Providência não foi a causa, mas sim a consequência. Não foi pela adopção de um putativo «modelo» de solidariedade social que aqueles países se tornaram ricos. Por serem ricos ou potencialmente ricos é que puderam abraçar aqueles instrumentos de apoio social. Dito de outra forma: aplicar o modelo escandinavo a Portugal - instrumentalizando, nesse sentido, a política fiscal - seria tão desastroso como começar a construir uma casa pelo telhado.»

no Contra a Corrente

segunda-feira, 7 de março de 2005

Dicionário

Com, ano, bom: é isto que o meu telemóvel acha que eu estou a tentar dizer antes de acertar à quarta tentativa.

Notas

- Aproveito este post do Luís como pretexto para adicionar A Natureza do Mal aos links.

- O Silva, a propósito da Salma Hayek e da anatomia feminina, chuta para cima da mesa Seinfeld:

Looking at cleavage is like looking at the sun, you don't stare at it. It's too risky. You get a sense of it and then you look away.

- Justifico a escolha de Paul Klee para a abertura da série O belo e o acessório (sim, é uma série): Klee representa para mim o expoente da arte como paixão quase infantil e irreflectida, virgem das palavras e dos conceitos. Não posso defender esta minha posição porque ela não precisa de defesa, como toda arte não deveria precisar.

O belo e o acessório



The "twittering" in the title doubtless refers to the birds, while the "machine" is suggested by the hand crank. The two elements are, literally, a fusing of the natural with the industrial world. Each bird stands with beak open, poised as if to announce the moment when the misty cool blue of night gives way to the pink glow of dawn. The scene evokes an abbreviated pastoral—but the birds are shackled to their perch, which is in turn connected to the hand crank. (...)

domingo, 6 de março de 2005

A propósito do post anterior

Attack and defense, invasion and repulsion . . . it was as if breasts were little pieces of property that had been unlawfully annexed by the opposite sex—they were rightfully ours and we wanted them back.

High Fidelity, Nick Hornby

Agarro a oportunidade para falar de mamas (não, não digo nem peito nem maminhas, prefiro a palavra certa). O decote é, provavelmente, o mais complexo dos sinais sociais. As premissas que lança sobre a relação homem-mulher são dúbias e subtis, contrastando com a sua própria natureza. Em condições normais (quando não se trata de uma imposição exterior) o decote é sempre uma escolha voluntária da mulher. Sou capaz de compreender que a relação das mulheres com essa área específica do corpo nem sempre seja a mais pacífica. Ou melhor, nunca seja pacífica. Mas é claro para todos que um decote é uma declaração de guerra. Atendendo à própria natureza masculina, o decote surge como um trunfo imbatível. E isso deve-se a uma regra (preconceito) social que nunca deve ser quebrado: um decote não pode ser olhado. Ele existe para ser visto, está-lhe escrito na cara. Melhor, ele existe para ser notado. Mas em circunstância alguma ele deve ser mirado. Esta frágil linha que separa uma coisa e outra exige dos homens um poder de concentração quase sobre-humano, que suga todas as energias e deixa à mulher terreno livre para operar a seu bel-prazer. As mamas, mesmo quando actuam sem a preciosa ajuda do decote, são a melhor metáfora do jogo do desejo, aqui jogado no olhar. Mas atenção: quando é a própria mulher a subverter o jogo (sobre-expondo as mamas) então tudo o que disse anteriormente deixa de fazer sentido.

A resposta do Bruno



«Porque me preocupa o politicamente correcto, porque estou atento aos sinais, até aos mais compreensivelmente envergonhados, devo dizer que este post não tem quaisquer pretensões estéticas, sensuais e eróticas em torno do corpo da Salma Hayek. (...)»

sábado, 5 de março de 2005

Descoberta

Julio Machado Vaz escreve com smilies.

Arquitectos que falam

Do architecture.blogger.com.br:

«Escrever é uma forma de se expor, exceto se você é arquiteto. Para o arquiteto, escrever é uma forma de se esconder. E como eles fazem isso hoje em dia. Dê dez eucaliptos para um bando de arquitetos; um terço fará uma casa, o resto fará papel e lápis pra escrever.

A causa: obras construídas são sacos de pancada, e em geral mais resultado de sua capacidade política do que artística. E para realmente virar um legado, um edifício tem de ser pertinente, confortável, e inteligentemente adaptável, o que o holandês voador chama de manhatamnism, a capacidade do edifício se requalificar em uso sem perder suas características arquitetônicas principais. Ou seja, critérios de projeto que valorizam a arquitetura, mas não necessariamente o arquiteto.

A conseqüência: arquitetos que preferem discutir arquitetura, ao invés de produzi-la; e pior, arquitetos que preferem produzir arquitetura para ser discutida. Em resumo, arquitetos que não gostam de arquitetura.

Arquitetos que não gostam de arquitetura sim, e são muitos; discutir arquitetura é legal, principalmente quando não há nada de bom na TV, mas daí a virar, como virou, objetivo principal de um projeto tem uma grande distância. Arquitetura é pra ser vivenciada. E o tesão do arquiteto deveria ser criar espaços que realmente interfiram, pra melhor, na vida das pessoas. Gostar de arquitetura é gostar de espaços assim.

Toda vez que um cineasta, artista plástico, poeta, chef de cozinha e claro, arquitetos falam que o objetivo de suas obras é suscitar uma discussão eles estão dizendo "eu não gosto do que eu faço". Não admira que as pessoas também não gostem.»

Petição on-line para fazer aprovar as propostas do maradona

«Duas propostas de governo do Governo de Portugal indispensáveis para o bom governo de Portugal:

Proposta Primeira:

Nenhum Governo de Portugal deveria de ter mais de nove Ministérios, a saber, por ordem decrescente de importância:

Saúde
Finanças
Administração Interna e Defesa Nacional
Administração do Território
Justiça
Educação
Economia, Trabalho e Segurança Social
Negocios Estrangeiros
Mais um de borla para as idiossincrasias de cada Primeiro Ministro.


Proposta Segunda:

Multiplicar por um factor mínimo de quatro o vencimento líquido dos titulares destes cargos. O Primeiro Ministro de Portugal não deveria em nenhuma circunstância ganhar menos de cinco mil contos por mês.»

sexta-feira, 4 de março de 2005

Ah, como foi com não ouvir

Jorge Coelho, João Cravinho, Maria Carrilho, Pina Moura, Maria de Belém, Edite Estrela, etecetra, etecetra.

Fumo branco

É impressão minha ou este governo de socialista tem muito pouco?

InnoCAD



Haus Riegler, 2002

A (o, os?) InnoCAD representa algo que não existe por cá: a arquitectura cool. Uma arquitectura intimamente ligada ao design, à moda, ao sentido fashion. Um apuro estético considerável, uma prática que visa (claramente) desarmar à primeira vista, dislumbrar. Mas não são apenas isso. Ao contrário do que costuma acontecer com este tipo de expressão, a linguagem da InnoCAD não se fica pelo reportório moderno, fazendo incursões muito bem sucedidas pela herança pós-moderna, de onde se destaca a já referida Casa d. E há um sentido de humor que está bem presente, quer na sua obra quer no site. Estes senhores operam a partir de Graz, o que é, acreditem, uma coincidência.

Cieiro

s. m., fendas e gretaduras na pele produzidas pelo frio ou pelos ácidos.

Raios partam o frio.

E aí está: um post chamado «Cieiro». Agora pode dizer-se que não há terreno que este blogue não tenha ainda explorado.

quinta-feira, 3 de março de 2005

Assim também eu expulsava demónios

A blogosfera justificada

A Memória Inventada: dois anos.

Imagens

Estou a imaginar o Pe. Nuno Serras Pereira a presidir à missa, na altura da comunhão, a afastar, uma por uma, todas as mulheres que se apresentam para receber o corpo de Cristo, poupando apenas as que já caminham apoiadas numa bengala, as quatro ou cinco tias que lhe adiantaram a esmola de mil e duzentos euros, e aquelas que, pelo julgamento do senhor padre, ainda não têm idade para isso. Os homens, claro, não são para aqui chamados.

Ainda o alienígena amigável

Ontem deparei-me com um texto do Jorge Figueira (o único crítico de arquitectura que vale a pena ler em Portugal) sobre o Kunsthaus Graz num Jornal do Arquitectos que tinha para aí. Figueira perdia a compostura e rasgava-se em elogios:

(...) A julgar por este edifício, pelas fotografias de Marte do Spirit e do Opportunity, e ainda por o "Talkie Walkie" dos air, talvez o fim do concorde não tenha sido o fim de uma época, mas o começo de uma outra mais excitante.

O Fim do Concorde, in JA nº 213

Diz também que o edifício («se tivermos em conta as fotografias») é mais interessante que os renders que o precederam, o que não é habitual em obras deste tipo. Para a semana verificarei (ou não) este facto.

quarta-feira, 2 de março de 2005

Venturi revisitado




Casa d - Hartkirchen, Austria
InnoCAD
publicada na A10#2:

(...) While many modernist houses seem to have flown in from the future to land in thin stilts in the present, Casa d is a blast from the past: the scaly skin of reddish brown asbestos cement panels and the squat form of the building are very reminiscent of the seventies. It is fun to imagine the neighbours getting upset because this kind of thing is no longer considered modern. (...) (Oliver Elser)

Aproveito para fazer referência ao site da InnoCAD. Quando eu for grande quero ter um site assim.

Viciado no raciocínio

(...) De repente, dava por mim e Deus não estava lá. Só isso. Não era capaz de acreditar. Não por ter lido este ou aquele autor, mas por os ter lido todos e ficar viciado no raciocínio e pensar demasiado a fé para ser capaz de a ter. (...)

Alexandre Borges

terça-feira, 1 de março de 2005

Toca e foge

Este senhor ameaçou-me de porrada por causa do post A falácia de Sontag. Depois de uma conversa electrónica desistiu do arraial de violência. Usou como desculpa um mestrado, se percebi bem. Que tinha de o acabar. Já não há honra entre os homens.

Actualizado

o post A falácia de Sontag, aqui em baixo.